Americanazzo


Por Fernando Torres

Milhares de pessoas em silêncio. A revolta gritava, mas o som insistia em ficar preso no vácuo da garganta rubro-negra. Centenas de carros emparelhados formavam a maior carreata fúnebre do Rio de Janeiro, no século XXI.

O tráfego parecia não incomodar os motoristas. Nada de buzinas. Acelerações brandas ditavam o melancólico ritmo do trânsito tijucano. Os longos metros da Rua São Francisco Xavier serviam para alongar a reflexão quanto ao holocausto ocorrido minutos antes. Das arquibancadas e cadeiras do Maracanã partia o cortejo a entrar pelas ruas Isidro de Figueiredo e Jaceguai.

A Praça Varnhagem não enxergava comemorações. Só o lamento cresceu de seus canteiros. A tragédia de 58 anos atrás inspirou os adversários. Saem os uruguaios e festejam os mexicanos. Em 1950, chorou o país. Ontem, derramou-se uma de suas nações. A mais numerosa delas. Tão grande quanto o desastre.

Saio a comprar algo para comer e beber. A meia-noite já é passado. Os bares estão fechados. Somente na loja de conveniência de um posto de gasolina, na esquina da Avenida Maracanã com a São Francisco Xavier, ouço discussões acaloradas o bastante para suscitar olhares.

Em quatro dias, a torre Souza se transformou em pó-de-mico. Joel foi de papai a madrasta. Obina? O Xodó, agora, é bonde. Juan era rápido e habilidoso. Nos protestos à beira do caixa, é despreparado e imprudente. Até o chororô ganhou novas faces. A muralha Bruno precisará do apoio de Diguinho e Túlio. O lenço será compartilhado.

Os times vestem camisas distintas. Neste gramado das lamentações, em uma hora berra o Botafogo. Noutra, o América do México. Nestas últimas, o Flamengo. A mistura de idiomas revela a importância da vitória. E da derrota. O tombo foi grande. Machucou, calou e superou os autodenominados insuperáveis.

Partidas ligadas pela briga por uma vaga e separadas por uma semana. Dois cenários sagrados. Lá, na terra da tequila, show. Cá, no berço da caipirinha, tristeza. Muitas diferenças e uma só semelhança: o imponderável genial e renovado, o incrível, o carrasco da soberba. Senhores, com vocês, graças aos deuses, o Futebol.

Imagem: Montagem de Fernando Torres com fotos de Club América do México e Notimex

4 Response to "Americanazzo"

  1. Paschoal Stutz Says:
    8 de maio de 2008 às 15:44

    Caros, parabéns pelo texto, muito bem escrito e deve ter sido mesmo esta a situação pelas ruas do entorno do Maraca. Mas tenho que descordar de algo no texto:

    Não concordo quando diz que eles se auto-denominaram insuperáveis. Um ou outro torcedor pode ter dito isso no calor da confiança que tomava conta da cabeça dos flamenguistas.

    Acredito que essa confiança subiu a cabeça dos atletas, interferindo diretamente no resultado do jogo.

    Mas afirmar que eles se auto-denominaram insuperáveis é um excesso.

    Mas de qualquer forma aqui fica um parabéns de um do milhões de flamenguistas desiludidos e ao mesmo tempo esperançosos... o campeonato brasileiro que vem por aí... Agora é levantar a cabeça (inchada) e seguir a vida... Mas o que me consola é que mesmo que o flamengo fosse campeão da libertadores e do mundial interclubes, nada mudaria na minha vida... rsrsrsrs meu salário não iria aumentar...

    abraços e até mais...

  2. Ricardo Says:
    8 de maio de 2008 às 18:02

    Bem-feito, agora é chorar na cama que é lugar quente

  3. Elis says:
    8 de maio de 2008 às 22:13

    Amei seu texto, Marquinhos! Pode guardá-lo com carinho porque ele merece ser mostrado futuramente aos filhos e netos! :-)

    bjs

  4. Eduardo Leão Says:
    9 de maio de 2008 às 12:15

    Bem, o texto é assinado pelo Fernando, certo?
    Aliás, me fez lembrar muito Arnaldo Jabour.
    Quanto ao jogo, foi fatídico mesmo. O que me revoltou foi que ninguém em campo jogou pela camisa. Todo mundo teve atuação apática. Joel também escalou mal o time, apesar de não ter culpa direta com a pífia atuação dos jogadores. Mas escalar Jaílton no lugar do Christian foi lastimável.
    Agora resta o Brasileirão. Se não abrirem o olho, vamos passar o sufoco de outros campeonatos passados, sempre com a assombração do rebaixamento. Seja no que Deus quiser...

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